quinta-feira, 31 de março de 2011

Os nossos passos , descompassavam-se do resto.

                                                    


_ Pára de rir, que eu já não aguento mais ! Já me dói a barriga…

Ríamos, ríamos por tudo e por nada . A caminho do Rock Rendez-Vous, tropeçávamos nas nossas gargalhadas.

Apanhávamos o 31 , naquela altura os autocarros mudavam de cor, devagarinho… , e este já era cor de laranja, moderno e sem o andar de cima. Já não eram mágicos , estes autocarros .

Agarrados ao corrimão, nunca nos queríamos sentar nos bancos feios e acinzentados .

Parávamos na Rua da Beneficência e….
Ríamos, ríamos o caminho todo, ríamos por tudo e por nada , só porque tudo nos fazia rir.

As matines começavam às quatro da tarde, às quartas feiras, lá no Rock Rendez-Vous .

_Quem é que vai tocar hoje, sabes…?
_Não , mas o Zé Pedro disse que tocava lá esta semana …
_Mas os Xutos só tocam à noite…
_Pode ser que toquem hoje .

Já não nos importava quem tocava, caminhávamos a rir, entrávamos porta dentro…a rir …e ficávamos horas a rir e a ouvir aquilo que nos davam .

_ Porque é que eles não quiseram vir …? 
_ Não sei , agora gostam mais de ir ao Bit Club…
_Betinhos !! dizia com soluços de riso .

Entrámos , depois de esperarmos uma hora, à porta do mágico Rock Rendez-Vous .
A Lena D água, cantava com os Salada de Frutas …

“Olha o Robot….. llalalalala….Olha o Robot” 

Na sala, que me parecia muito grande , amontoavam-se corpos quase uns em cima dos outros, pulavam em jeito de dança, e gritavam todas as músicas que já sabiam de cor .

No chão rolavam garrafas de cerveja já vazias, o pó misturava-se com os restos de cerveja, e o chão ganhava uma nova patine, muito , muito escorregadia.

_Ía caindo !! -- gritavas a rir às gargalhadas – quase não se pode andar aqui 

Olhei para o chão e só via vidros castanhos de garrafas partidas .

_ Os Xutos tocam esta noite , depois da matiné !! 
_Não posso ficar, tenho que ir para casa à hora do jantar, e amanhã tenho aulas…
-Que se lixe…. Ficamos 

E ficámos. 

Os nossos pulmões quase que deixavam de funcionar, entre o riso e o fumo que se acumulava na sala e fazia uma nuvem , na qual as luzes reflectiam. 
Ainda era de dia, mas lá dentro estava muito escuro.

_Então o melhor é nem sairmos daqui… senão, não vamos conseguir entrar mais tarde .

Não comíamos, bebíamos cerveja, sentadas no chão escorregadio, bastava-nos a cerveja como alimento, o fumo como sustento e a música como alento.

Procurava um cantinho mais “limpo” onde me pudesse sentar, de pernas cruzadas, continuava a ouvir os Salada de Fruta. Não nos importávamos com o som, o som permanecia nos nossos ouvidos, e cantarolávamos (quando não gritávamos) as músicas já nossas conhecidas.

A Lena Dágua, com um cabelo comprido, que lhe tapava a cara , rodopiava no palco ,dava voltas no seu vestido estampado. 

Cantava bem , voz fininha, que mesmo em gritos não se desafinava. O baterista , batia o seu compasso.

Os nossos passos , descompassavam-se do resto. 

Cansada , encostava-me à parede e esperava pela noite, com um sorriso nos lábios, já cansada de tanto rir .

_Tens a certeza que os Xutos tocam aqui hoje ?! 
_ Tenho, pelo menos o Zé Pedro disse que sim .

Lembro-me do Zé Pedro no D.Dinis, lembro-me dele nos Olivais Norte. E, Norte e Sul sempre foram uns rivais muito amigáveis . 

Lembro-me dos Xutos ensaiarem numa garagem , lá para os lados da Portela .

_ Vamos ter que esperar aqui…? Eu não avisei nada em casa…
_Deixa lá, quando chegares… chegaste !!! rias , feita parva … 

Encolhi os ombros ( não havia telemóveis ) , não havia por ali nenhuma cabine. E se saísse já não conseguia entrar. 

Às sete da tarde já havia uma multidão na Rua da Beneficência , esperavam poder entrar no Rock Rendez-Vous. E tantas vezes esperavam horas , sem arredar pé.

Os porteiros eram enormes, escolhiam meticulosamente, que podia ou não podia entrar. Se estivessem alcoolizados, ou sob o efeito de qualquer outra coisa --- já não entravam .

Havia um risco amarelo, pintado no chão, à entrada, o risco fazia o papel de corda bamba e tal qual equilibristas de circo, rapazes e raparigas tinha que o pisar com, jeitinho, só para provarem que se equilibravam .

Já estávamos lá dentro e não tínhamos saído…assim fiquei com um lugar à frente, quase a tocar no palco. Dançava ao som de discos de vinil, no meio dos compassos de espera.

Bebíamos mais porque tínhamos fome, fumávamos para enganar o tempo. 
Agora esperávamos pelos Xutos …

_mas tens a certeza que os Xutos tocam hoje …?!
_Olha, parva ! Olha para o cartaz ! o que é que diz ?

Olhámos ao mesmo tempo, o cartaz anunciava os Xutos às 9 da noite.
Começámos a rir outra vez , e só parámos quando os Xutos começaram a tocar .
Entraram no palco, todos ao mesmo tempo, o Tim tinha sempre um lenço no pescoço, estavam todos de óculos escuros . 

O Zé Pedro, tinha várias pulseiras de couro e correntes que se prendiam ao meu olhar fascinado . 

Entre guitarras , baterias, microfones e amplificadores enormes , tomavam os seus lugares , e sorriam-nos, com sorrisos especiais .
Com um ar tão “duro” aquela banda , tão nova … deliciava qualquer um . 
Eu gostava do guitarrista, do outro …

_ Como é que se chama este que está aqui a tocar … mesmo aqui …?
_ Não sei …
_Não sabes ? 
_ Há ---- esse é o João … não me lembro do outro nome 

Eu olhava o guitarrista dos Xutos , que tocava mesmo ao pé de mim, indiferente aos pulos que me rodeavam , passei o concerto todo a olhar para a guitarra .
A sala era pequena para tanta emoção, a sala era pequena para tanto talento, era pequena para tanto som que se começava a soltar por ali.

À minha volta todos riam , os cotovelos que me batiam , já não me magoavam …
Embriagada pelo som da guitarra, pelos dedos que a percorriam, pela cerveja que já não me lembrava de ter bebido, inspirava as nuvens de fumo que me secavam a garganta e me apuravam os sentidos .

Nas paredes, os cartazes pardos , amarelados , anunciavam os UHF , para a próxima semana.

Já sei que na próxima semana não vou poder vir, não disse nada em casa…. Nem sabem de mim…

Afastei tudo o que me incomodavam , e comecei a pular em frente ao palco, com pulos tão altos que quase me lançavam para o meio da guitarra do guitarrista …que se chamava João…

_ Como é que ele se chama? …este, que está mesmo aqui, mesmo á minha frente ! ….?
_Já te disse… deves ter ensurdecido com tanto barulho !
_ Estou quase surda ….sorria, e prolongava o sorriso numa gargalhada infernal .

Olhámos uma para a outra sem parar de rir 

_ Chama-se João --- acho que é João ----

....................
TMQueiroz 

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